No dia 26 de março de 2021, Xuxa Meneghel participou de uma live da ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro). Enquanto discorria sobre o uso de animais na elaboração de cosméticos, a artista alegou que tinha um pensamento que poderia parecer muito ruim e desumano para as pessoas, expondo-o em seguida: "Na minha opinião, eu acho que existem muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas que estão aí pagando seus erros em ad eternum, para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos, sabe? Acho que pelo menos eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu?", comentou. A fala de Xuxa ganhou repercussão negativa, como já era de se esperar e ela se pronunciou através de uma de suas redes sociais virtuais, gravando um vídeo pedindo desculpas ao público, afirmando que não utilizou as palavras certas e ressaltando que quem a julgou por seu ato, julgou-a corretamente.
A fala de Xuxa, além de ruim e desumana, como a própria reconheceu, está indiretamente atrelada às práticas nazistas e ao racismo. As torturas através experimentos cruéis feitos, principalmente em judeus na Alemanha nazista foram atrozes, monstruosas e infelizmente incontáveis. Defender a ideia de que seres humanos, independentemente da situação em que se encontram, sejam utilizados como cobaias é terrível, para dizer o mínimo.
Outra questão de extrema importância a ser pensada, agora referente à sociedade brasileira, é o racismo estrutural, que se encontra impregnado em todas as esferas sociais, políticas, econômicas e culturais do país. Juliana Borges, feminista negra antiproibicionista e antipunitivista, colunista da Mídia ninja e das revistas Carta Capital e Fórum, é autora de Encarceramento em massa, uma das obras que integram a coleção Feminismos plurais, coordenada pela advogada, mestre em Filosofia e escritora Djamila Ribeiro. Juliana aborda questões sociais, de extrema importância e tece argumentos de grande relevância para a conscientização sobre a realidade carcerária brasileira, a autora defende a importância da interseccionalidade em um país onde a mulher negra é duplamente marginalizada, por ser mulher e também por ser negra, discorre sobre os mecanismos estatais de exclusão da população negra e ressalta, citando um trecho da obra Necropolítica, do sociólogo camaronês Achille Mbembe, que os mecanismos do estado genocida, através do biopoder, movem a população negra do não lugar para o lugar de exclusão, deixando-a morrer social e fisicamente.
Em sua obra, Juliana Borges apresenta uma pesquisa realizada pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (InfoPen), em 2016, onde a desigualdade racial em presídios é ressaltada, segundo a pesquisa, 64% da população prisional é negra, enquanto que esse grupo diz respeito a 53% da população brasileira, ou seja, dois em cada três presos no Brasil são negros. Juliana ressalta que “tráfico de drogas e roubos são a maioria dos atos infracionais e os argumentos apresentados não diferem: vulnerabilidades sociais, necessidade de sustento dos filhos e da família, desestruturação familiar, violência e abuso doméstico-sexual”.
A autora também ressalta aquilo que percebemos cotidianamente, a morte social de ex-carcerários, que mesmo após cumprimento de pena são socialmente marginalizados e privados de oportunidades de emprego. Ainda segundo ela, “a figura do criminoso abre espaço para todo tipo de discriminação e reprovação, com total respaldo social para isso. E ao retornarmos aos dados que demonstram que há um grupo-alvo e predominantemente entre a população prisional, ou seja, que é considerada criminosa, temos aí uma fórmula perfeita de escamoteamento de um preconceito que é racial primordialmente”.
Portanto, quando Xuxa expõe a sua “opinião”, de que pessoas privadas de liberdade sejam cobaias para experimentos como vacinas, remédios, etc., ela manifesta um preconceito que é racial, que mata negros todos os dias, tanto social quanto fisicamente, ela aponta para um estado genocida, que decide entre quem vive e quem morre, sabendo que quando se trata da população negra, não é preciso realizar experimentos para morrer em grande número, todos os dias, seja através de bala perdida, violência policial, marginalização social, ou mesmo diretamente pelas mãos do estado, com a famigerada guerra às drogas, que qualquer um, com um mínimo de bom senso, sabe que seu real combate não é as drogas, mas aos corpos negros. Elza Soares sempre esteve certa, a carne negra é a carne mais barata do mercado.
Referências:
BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. São Paulo: Polén, 2019.
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