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Foto do escritorJean Carlos

Greve dos caminhoneiros: A evidência de um gargalo


Nas últimas semanas, a sociedade brasileira e o restante do mundo acompanharam com surpresa a notícia que circulava nos meios de comunicação de massa o movimento de paralisação dos caminhoneiros pelo Brasil afora. Inicialmente, pensou-se que a mencionada paralisação fosse um caso isolado e de uma pequena parcela da categoria dos caminhoneiros. Entretanto, ao correr dos dias, o movimento fora se intensificando e se espalhando pelos rincões, impactando na dinâmica produtiva, de distribuição e comercialização em todo o país. Dentre outros motivos, a alta no preço do diesel foi um dos atenuantes que motivaram a paralização e o protesto dos caminhoneiros. Assim, a greve estava instalada.


Desde então, os efeitos foram sendo gradativamente sentidos em todo território nacional: falta de combustíveis, escassez de determinados alimentos e mercadorias, além de atrasos e cancelamentos de serviços específicos (aeroportos, portos, entre outros). A pauta do noticiário buscava realçar diariamente os prejuízos e perdas para a população e para a economia do país com tamanha proporção tomada pela greve dos caminhoneiros. Em grande parte, a mídia buscou ressaltar apenas os problemas e percalços oriundos do movimento, deixando de lado outras questões que poderiam ser exploradas de modo mais crítico e reflexivo. Isto é, discutir, primeiro, o descaso político e social para com a categoria dos caminhoneiros, com carga horária excessiva de trabalho e insegurança pelas estradas e rodovias e, segundo, um problema que não se apresenta somente no calor dos acontecimentos, mas que se perpetua por longos anos e décadas: a dependência do aparato rodoviário.


Na atual conjuntura, estamos diante da condição de reféns do modal rodoviário, fato que se comprova pela greve em questão. Isso desnuda que privilegiamos as rodovias enquanto que outras possibilidades foram, histórica, política e ideologicamente abandonadas, como a ferrovia, o transporte fluvial e a cabotagem. Em um país como o nosso, de grandes extensões geográficas, com recursos naturais em abundância, haveria possibilidade de explorar outras matrizes de comunicação e transporte como já mencionado, o que diversificaria os métodos de movimentação de pessoas e mercadorias. No período colonial (1500-1822), a navegação era utilizada como um dos principais meios de transporte entre o litoral e o interior, bem como o inverso. É bem verdade que os atenuantes da opção pela navegação nos tempos coloniais se operacionalizavam por meio de interesses inerentes às Entradas e Bandeiras, às missões jesuíticas, à economia mineradora, ao surgimento de núcleos urbanos e a espacialização da pecuária e agricultura, é o que destaca Castilho (2016) por meio dos pressupostos de Bastos (1955). Segundo este autor, Portugal se empenhava em, no período supramencionado, empreender esforços no sentido de incentivar a navegação pelos rios, pois apostava no potencial deste meio de transporte como fator preponderante para o escoamento da produção agropecuária e mineradora do interior para o litoral.


Concomitantemente ao transporte fluvial, já existiam esforços em abrir caminhos cuja intenção primordial era e de exercer importantes influências na dinâmica agroexportadora, isso já no Império (1822-1889). Além disso, também já se desenvolvia, desde a Colônia, o transporte ferroviário, ganhando destaque a partir e principalmente nas primeiras décadas do século XX. No que tange às rodovias, estas aparecem com ênfase no cenário nacional a partir da década de 1930, cuja base estratégica se pautava pelo crescimento da produção industrial, o que exigiria maior dinamicidade aos processos de escoamento dos produtos industrializados, conforme ressalta Castilho (2016). Neste contexto, o Estado brasileiro, por meio de forte discurso propagandístico, intensificava a necessidade de construção de rodovias como ponto de conjunção entre a exploração dos recursos naturais, expansão da fronteira agrícola e integração do interior à política e economia nacional.


Desde então, adotou-se o modelo rodoviário como principal meio de transporte e comunicação. Além do transporte de pessoas e de serviços, a hegemonia do transporte rodoviário ocorre pela base produtiva, com destaque para a agricultura (agronegócio - commodities) e indústria, com fins para a exportação. Como se observa, a política de transportes e comunicação no Brasil está sendo, historicamente, moldada pela dinâmica econômico-produtiva do mercado externo, como já indicavam Caio Prado Júnior (1977) e Celso Furtado (2005). De todo modo, a massiva priorização que se deu às rodovias deixou-nos reféns deste modal. E a greve dos caminhoneiros deixou claro tal dependência.


Em uma rápida pesquisa por meio do site do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, pode-se constatar, em dados estatísticos, a hegemonia do modal rodoviário em comparação com outros modais, tais como o ferroviário, aéreo e aquaviário. Não é nossa intenção sistematizar os dados mencionados, uma vez que deixaria a leitura um tanto quanto densa e quantitativa. Embora que, rapidamente, convém tecer alguns poucos comentários a respeito desses dados para ilustrar o predomínio da rede rodoviária. Desse modo e de acordo com os dados, a malha rodoviária representa mais da metade do transporte de passageiros e de cargas em todo território nacional. A malha ferroviária, por sua vez, destina-se, quase que exclusivamente ao transporte e escoamento de produtos de grande valor comercial, como minério de ferro, soja, açúcar, carvão mineral, milho, farelo de soja, celulose, entre outros. No que concerne ao modal aeroviário, este se destina, em quase sua totalidade, ao transporte de passageiros, divididos em vôos domésticos e internacionais, e a uma secundária participação no transporte de cargas para o exterior. Por último, o modal aquaviário se reserva, em grande parte, ao escoamento da produção de commodities e outros produtos para exportação, muito particularmente por meio dos portos (Brasil, 2017).


Como se verifica, o modal rodoviário exerce importante papel não só na economia do país, mas também na vida e no cotidiano de todos os brasileiros. Se por um lado tal importância se revela do ponto de vista econômico e de locomoção de pessoas e serviços, do outro, mostra, além da dependência em relação a essa rede, um problema de infraestrutura. Para ilustrar, do total de rodovias federais, estaduais e municipais, que juntas somam 1.435,8 mil quilômetros, apenas 196,6 mil (13,7%) são pavimentadas, enquanto que 1.239,2 mil (86,3%) ainda se encontram sem pavimentação, segundo dados oficiais do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (BRASIL, 2017).


O estado precário das rodovias pode ser ilustrado por meio dos dados apresentados no que concerne à pavimentação. Isso significa que mesmo sendo o principal meio de comunicação, transporte e ligação de pessoas, mercadorias e serviços, não há uma qualidade verificada ao sistema rodoviário. Por essas e outras razões, o preço dos fretes tenham aumentado significativamente, um modo de compensação em face dos prejuízos anotados com manutenção e mecânica, o que, por consequência óbvia, impacta na alta dos preços de produtos, mercadorias e serviços. Ademais, a falta de segurança nas rodovias é outro agravante. O Brasil ocupa o sexto lugar dos países com ocorrências de roubo e/ou furtos de cargas no mundo, dados apresentados em uma reportagem da revista Exame em março deste ano. Esses e outros fatores concorrem para a insatisfação de inúmeros caminhoneiros e outros trabalhadores do ramo a reivindicar, também, maior segurança e melhores condições de trabalho.


Se por um lado o movimento de greve dos caminhoneiros evidenciou a dependência do modal rodoviário, por outro, revelou a sujeição aos combustíveis fósseis derivados do petróleo. Sem entrar no mérito da questão, poderíamos lançar mãos à matriz energética fotovoltaica como fonte alternativa para o sistema de transporte, uma vez que contamos com privilegiada condição climática para tal. Porque não pensar em um Brasil que se locomove não apenas pelo petróleo, mas, também, pela luz do sol? São possibilidades dentre outras inúmeras. O que de fato se apura é que não optamos por privilegiar outras fontes energéticas porque há o monopólio do petróleo neste país, especificamente no que se refere aos combustíveis. Não é fortuito que a maior empresa do ramo seja a Petrobras, e diante deste contexto, também somos reféns dos combustíveis fósseis (agradeço ao professor Valtuir pelos esclarecimentos acerca desta questão).


A partir da paralização dos caminhoneiros, procurou-se desnudar a dependência do modal rodoviário como realidade premente em nosso país. No que toca ao movimento em si, talvez outras leituras tenham ficado à margem, como a política de preços adotada pela Petrobrás, esta baseada no mercado externo; a apropriação de grupos e empresas do setor de transportes que lucraram com a paralização por meio de isenções fiscais, bem como o oportunismo de certos partidos políticos em tempos de eleição. De todo modo, acreditamos que o movimento dos caminhoneiros resultou em uma reflexão dos graves gargalos que pairam sobre a questão dos direitos e condições de trabalho da categoria e, sobretudo, no que tange à condição de dependentes que somos do modal rodoviário.


Fontes consultadas:


BRASIL. Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil: Grandes números. 2017. Disponível em: <http://www.transportes.gov.br/grandes-numeros.html>. Acesso em: 13 jun. 2018.

CASTILHO, Denis. Modernização territorial e redes técnicas em Goiás. Goiânia: Editora Ufg, 2016.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Editora Nacional, 2005.

PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 20. ed. São Paulo: Brasiliense, 1977.

Revista Exame. Brasil ocupa lista de países com maior índice de roubos de cargas. 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/brasil-ocupa-lista-de-paises-com-maior-indice-de-roubo-de-carga/>. Acesso em: 19/06/18.

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