Nos últimos anos, temos acompanhado, em virtude da ascensão e da consolidação do poder da extrema direita na sociedade, um avanço das escolas cívico-militares. O projeto de militarização do ensino, dentro de um país marcado historicamente por um profundo autoritarismo, não é nenhuma novidade. No entanto, o fator preocupante não está unicamente no avanço desse modelo, no mínimo questionável de ensino, mas em um forte apoio popular, presente nos setores conservadores, mas também nos setores ou nos indivíduos que se apresentam diante da opinião pública na condição de progressistas.
A militarização do ensino está presente em vários estados, inclusive naqueles que são governados por partidos do campo democrático. A constatação demonstra um problema muito mais abrangente, porque envolve um tecido social que deveria analisar de maneira mais cuidadosa os problemas estruturais, mas, em detrimento de um posicionamento crítico, tem naturalizado um projeto que, em hipótese alguma, deveria ser naturalizado. As escolas cívico-militares comprometem tanto o direito à educação pública, gratuita, democrática e de qualidade quanto os valores mais elementares de um estado democrático de direito.
As escolas públicas deveriam ser o espaço da acolhida da diversidade - étnica, social, cultural, estética, religiosa, sexual e material - que está presente na sociedade. Nesses tempos, quando tentativas de golpe de estado são apresentadas como se fossem manifestações democráticas, tanto as palavras quanto os sentidos envolvendo a democracia têm sido esvaziados. No entanto, utilizo uma definição objetiva de valor democrático, que deveria estar presente em todos os espaços escolares, especialmente nas escolas públicas.
Por exemplo, quando uma estudante não tem o direito de usar o cabelo de acordo com os seus valores culturais e estéticos, tendo que se adaptar a um padrão imposto por uma disciplina militar, não estamos falando mais de respeito aos valores democráticos, mas de uma violência representativa dos tempos da colonização. Essa violência estética e cultural proporcionará traumas no tempo presente e, infelizmente, poderá perdurar por toda a vida. O exemplo parece elementar, mas não é. Estamos falando de padronização, de domínio dos corpos, vigiando e punindo todos aqueles e todas aquelas que não aceitam ou não se enquadram diante de um modelo hierárquico, disciplinar e militar.
Uma escola pública, indiferente à diversidade étnica, religiosa, social e cultural, se apresenta enquanto um modelo de ensino que não pode ser normalizado por aqueles/as que se colocam na condição de defensores do estado democrático de direito. Os exemplos históricos demonstram quais foram as consequências das sociedades que naturalizam os fenômenos que não deveriam ser naturalizados. O avanço do modelo das escolas cívico-militares poderá ser compreendido enquanto um reflexo de uma parcela considerável da sociedade, conduzida por uma lógica contrária a qualquer princípio de igualdade, justiça e diversidade social.
A escola pública deveria ser o espaço do pensamento e das reflexões críticas, orientadas por todo o acúmulo de saberes que a humanidade construiu no decorrer do processo histórico. No entanto, a escola pública não poderia ser o espaço da subserviência ou da obediência, características de instituições que não deveriam ter uma relação com os espaços escolares. O pensamento e a possibilidade de construir a cidadania por meio da análise crítica e consciente da realidade social, uma garantia elementar do direito à educação, ficam comprometidos quando existe uma padronização pautada nos valores disciplinares da obediência.
A militarização do ensino compromete o direito à educação, dificulta a liberdade de cátedra dos professores e das professoras, limita o direito de ensinar e aprender dentro do ambiente escolar, dificultando o direito de os estudantes conviverem com a diversidade - étnica, social, sexual, estética, cultural e material -, impondo um modelo de ensino que não coaduna com uma sociedade democrática. O modelo de ensino cívico-militar sinaliza para uma concepção de sociedade totalmente oposta à realidade. No cotidiano, o tecido social é diverso, múltiplo, alegre, vivo, recheado de cores, envolto nas mais diversas e necessárias contradições.
Nesse sentido, torna-se fundamental que o espaço escolar proporcione aos estudantes, por meio do conhecimento construído coletivamente, condições de compreender e participar ativamente da sociedade, estabelecendo uma relação direta entre espaço escolar e tecido social. No entanto, o modelo de ensino presente nas escolas cívico-militares inviabiliza qualquer relação entre escola e sociedade. A militarização do ensino, a consolidação do poderio da extrema direita, resultando na naturalização de muitas pessoas que, em tese, deveriam defender uma escola democrática - laica, plural, acolhedora e humanizadora - representa um obstáculo ao direito à educação, fragilizando e comprometendo a consolidação de um estado democrático de direito dentro de um país que, infelizmente, conviveu durante longas temporalidades com os regimes ditatoriais.
A escola pública deveria ser um espaço incompatível com qualquer forma de autoritarismo.
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